OFICINA GRAMATICAL: FUTURO DO CONJUNTIVO DE VERBOS IRREGULARES E MODO VERBAL EM ORAÇÕES CONDICIONAIS
Víctor Mércia Justino (2015)
Introdução
O estudo A distribuição e a expressão gramatical do futuro do conjuntivo no Português de Moçambique (PM), levado a cabo por Justino (2011), mostrou que a população universitária revela um conhecimento linguístico distinto da gramática da variedade de ensino, o Português europeu (PE) padrão. Entre outros aspectos, esse conhecimento caracteriza-se pela tendência a sobregeneralizar o uso do futuro do conjuntivo nas orações condicionais introduzidas pela conjunção se. Estão, neste caso, as orações em que, no PE, o uso do presente do indicativo é ‘quase obrigatório’ (cf. (1a)) ou é preferencialmente seleccionado (cf. (1b), com interpretação equivalente a já que estás com ressaca, bebe uma garrafa de água).[1]
(1) a. Se o canhoeiro for uma árvore, então pertence ao reino vegetal. (PE = é)
b. Se tu estiveres com ressaca, bebe uma garrafa de água. (PE = estás)
Quanto à flexão dos verbos no futuro do conjuntivo, verifica-se uma tendência para não distinguir entre o infinitivo flexionado e o futuro do conjuntivo, quando se trata dos verbos irregulares. Assim, verifica-se que o futuro do conjuntivo destes verbos é conjugado de forma idêntica à dos verbos regulares, em que não há distinção entre o futuro do conjuntivo e o infinitivo flexionado. Vejam-se os exemplos.
(2) a. Se a iniciativa se manter, a ajuda será estendida a todos. (PE = mantiver)
b. Quando veres os colegas, diz-lhes que há fichas. (PE = vires)
É face a estes resultados, que apontam para uma área gramatical de domínio tardio pelos estudantes universitários, que se propõe neste trabalho duas Sequências Didácticas. Na Sequência I, pretende-se explicitar o conhecimento dos paradigmas flexionais do futuro do conjuntivo dos verbos irregulares. Por sua vez, a Sequência II tem como objectivo promover o conhecimento explícito sobre o uso do futuro do conjuntivo e do presente do indicativo em orações condicionais. Tanto na primeira, como na segunda sequência didáctica, as actividades são inscritas numa oficina gramatical, um modelo de ensino que, ao promover a consciência e o conhecimento linguístico no quadro de um ensino explícito da gramática, permite que a auto-aprendizagem se efective (cf. Duarte, 2008; Costa, 2010).
De acordo com Duarte (1992), a oficina gramatical define-se como um espaço no qual, primeiramente, os alunos são confrontados com dados da língua-alvo, fornecidos pelo professor ou por eles recolhidos, e têm à sua disposição gramáticas e outros materiais que se habituarão a conhecer e a saber usar. Na etapa a seguir, os alunos observam os dados e, com o auxílio dos materiais de consulta, identificam as irregularidades e idiossincrasias contidas nesses dados, e elaboram generalizações sobre as suas propriedades. No final da oficina gramatical, os alunos realizam exercícios de treino e consolidação dos conhecimentos adquiridos. Em síntese, o trabalho realizado no âmbito de uma oficina gramatical inclui quatro etapas, nomeadamente: (a) apresentação dos dados, (b) descrição e compreensão dos dados, (c) exercícios de treino e (d) avaliação (Idem: 166).
As actividades propostas na oficina que aqui se apresenta seguem o modelo proposto por Duarte (Ibidem), e estão organizadas em três etapas:
Etapa I
Na sequência I, fornecem-se formas de verbos regulares e irregulares no futuro do conjuntivo e no infinitivo flexionado, para que os alunos observem, comparem e deduzam as regras (ou hipóteses de regras) sobre a gramática do PE padrão (exercícios 1 e 2).
Na sequência II, fornecem-se exemplos de orações condicionais no PE e no PM, em que ocorrem as estruturas relevantes, para que os alunos comparem e formulem generalizações sobre as duas variedades do português (exercícios 1 e 2).[2]
Etapa II
Na sequência I, apresentam-se novas frases a partir das quais, por um lado, os alunos são guiados a confirmar ou a rejeitar as regras ou hipóteses formuladas na etapa anterior e, por outro, são levados a explicitar as regras de distribuição do futuro do conjuntivo (exercícios 1 e 2).
Na sequência II, os alunos são levados a descrever as regras de distribuição do futuro do conjuntivo e do presente do indicativo, em orações condicionais (exercícios 1-5).
Etapa III
Nesta etapa, tendo em vista o treino e consolidação dos conhecimentos adquiridos, sugere-se, para cada sequência didáctica, um conjunto de exercícios estruturais. Estão, neste caso, os exercícios 1-3 da sequência didáctica I e os exercícios 1-3 da sequência didáctica II. Veja as Sequências Didácticas.
A finalizar esta apresentação, refira-se que as frases dos exercícios aqui apresentados foram extraídas de produções orais da população universitária (cf. Justino, 2011) ou foram criadas pelo autor. Veja o Guião de Correcção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brito, A. M. (2003). Subordinação adverbial. In M. H. M. Mateus et al. Gramática do Português (pp. 695-728). Lisboa: Caminho.
Costa, A. L. (2010). Estruturas contrastivas: desenvolvimento do conhecimento explícito e da competência da escrita. Dissertação de Doutoramento, Universidade de Lisboa.
Costa, J. (2002). Será que a linguística generativa pode ser útil aos professores de Português? In C. Mello et al. (coord.). II Jornadas Científico-Pedagógicas de Português (pp. 225-243). Coimbra: Almedina.
Duarte, I. (1992). Oficina gramatical: contextos de uso obrigatório do conjuntivo. In M. R. Delgado-Martins et al. Para a didáctica do Português: seis estudos de linguística (pp. 165-17). Lisboa: Edições Colibri.
Duarte, I. (2008). O conhecimento da língua: desenvolver a consciência linguística. (Brochura do PNEP). Lisboa: ME, DGIDC.
Justino, V. (2011). A distribuição e a expressão gramatical do futuro do conjuntivo no Português de Moçambique. Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa. Disponível em: http://www.catedraportugues.uem.mz/lib/docs/JUSTINO%202011.pdf
Marques, R. (1995). Sobre o valor dos modos conjuntivo e indicativo em Português. Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa.[1] Recorde-se que, do ponto de vista semântico, se defende, na literatura sobre o PE, que o futuro do conjuntivo é obrigatório em orações condicionais com valor hipotético, como por exemplo: Se tu vieres cedo, vamos/iremos jantar fora. Por sua vez, o presente do indicativo é usado em orações condicionais, reais ou factuais, como por exemplo: Se a água atinge a temperatura de 100ºC, (então) entra/entrará em ebulição. (cf. Brito, 2003; Marques, 1995 ou Duarte, 1992).
[2] Nesta etapa, na qual se comparam orações condicionais do PE com as do PM, está implícita a ideia segundo a qual o ensino tem de ter em consideração que o conhecimento gramatical dos alunos pode não corresponder à gramática da língua padrão, por isso este não só se deve centrar na explicitação do conhecimento gramatical da variedade linguística dos alunos, mas também na comparação com a gramática da variedade padrão, objecto de estudo (Costa, 2010; Costa, 2002; entre outros).